Casa para abrigar LGBTs expulsos pela família é inaugurada após 'vaquinha'
Espaço na Bela Vista pode receber até 20 pessoas e
oferece apoio psicológico e médico a gays, lésbicas, travestis e transexuais
SÃO PAULO - Eles foram expulsos de casa.
Entre os moradores, há filhos e filhas de pastores e policiais.
Há quem tenha levado um soco e sido ameaçado de morte pelo próprio tio.
Vítimas de violência - física, psicológica ou ambas -, gays, lésbicas, travestis e transexuais ganharam uma nova opção de lar.
Em uma esquina da Bela Vista, bairro no centro da capital, um sobrado verde onde antes funcionava um bar no térreo e uma ocupação no andar de cima, a partir desta quarta-feira, 25, passa a abrigar LGBTs expulsos pela família.
A Casa 1, república de acolhimento e centro cultural, nasceu de financiamento coletivo e será inaugurada nesta quarta.
Em um mês e meio, o projeto arrecadou R$ 112 mil em uma plataforma de crowdfunding, oferecendo aos 1.048 colaboradores recompensas como a inscrição do nome dos participantes na parede externa da Casa e 32 opções de palestras, workshops e cursos.
É uma iniciativa totalmente voluntária, sem patrocínio ou edital público. Para marcar a abertura do espaço, a Casa estará em festa das 14 às 22 horas no dia do aniversário da cidade.
O primeiro morador chegou no dia 2 de janeiro e o lugar já abre com cinco pessoas (duas travestis e três gays).
Eles vêm do Rio, de Minas Gerais, da periferia de São Paulo e até do interior de Sergipe.
A capacidade máxima é para 12 moradores, que podem ficar até três meses.
Mas os organizadores do projeto dizem que se apertar e for necessário, o local pode abrigar até 20.
Hoje, no andar de cima do sobrado, há sete camas, uma sala com sofá, mesa de jantar e televisão, além de cozinha e banheiros.
Boa parte dos móveis e eletrodomésticos foi doação.
Segundo a entrar na casa, o estudante mineiro Otávio Salles, de 23 anos, brinca ao dizer que é "a governanta" do lugar.
Ele e o idealizador da Casa 1, o jornalista e militante LGBT Iran Giusti, de 27 anos, ficaram amigos no ano passado. Após ter todas as roupas cortadas com tesoura pelo irmão, Salles levou um soco do tio, que o teria ameaçado de morte.
"Ele disse: Boiola merece morrer. Falou que se me pegasse iria me matar de porrada", conta o estudante.
"Esconderam os meus documentos para evitar que eu fosse até a delegacia, mas consegui achar a minha certidão de nascimento e fui denunciar.
Tive que ensinar para o policial como se escrevia homofobia.
Ele não sabia como se escrevia a palavra."
Morando com um amiga e trabalhando em um bar, em Belo Horizonte, o estudante conheceu Giusti por acaso.
"Acabamos fazendo amizade, conversamos e ele me chamou para ficar no sofá dele em São Paulo", afirma.
O militante começou a acolher, então, LGBTs expulsos de casa.
"Fiz um post no Facebook que foi compartilhado por duas mil pessoas. Recebi em poucos dias quase 50 solicitações de abrigo.
Mas a minha casa era um quarto e uma sala.
Pensei que precisava fazer algo maior", afirma Giusti.
Assim, nasceu a ideia de criar uma república de acolhimento para gays, lésbicas, transexuais e travestis.
O nome Casa 1, explica o militante, é para dar a ideia de "começo".
Nos planos, está a vontade de expandir.
Salles acredita que o espaço deve virar um ponto de referência para a população LGBT.
Para ser morador da Casa 1, é preciso ter mais de 18 anos e ter sido expulso de casa por ser LGBT, ou estar em situações extremas de violência psicológica.
Não há custo ou diária.
Com 32 voluntários e uma fila de 400 pessoas interessadas em contribuir, o espaço oferece apoio psicológico e médico (uma obstetra e ginecologista faz uma visita de 15 em 15 dias).
Segundo Giusti, o lugar será mantido por atividades culturais que serão oferecidas no salão da Casa, como oficinas de bordado e canto.
O café da manhã, o almoço e o jantar, além das contas, não estavam inclusos no projeto de financiamento e são pagos do próprio bolso de Giusti.
O próximo passo é conseguir patrocínios para bancar os gastos.
A ideia é que o projeto cresça e, por isso, a equipe vai iniciar um mapeamento das necessidades do entorno do espaço, na Bela Vista.
Uma das propostas é facilitar oficinas para idosos, que têm procurado o espaço interessados em participar.
"Estamos planejando o programa Adote um Vovô e Adote uma Vovó, com cursos em que a metade da turma será de idosos e a outra metade, de LGBTs em geral, não somente para os moradores da casa", explica.
Há uma semana na Casa 1, a transexual Cindy Tobias da Silva, de 19 anos, conta que desistiu de morar com a mãe e a irmã na zona leste da capital paulista após ser alvo de xingamentos da família.
"Desde criança, eu perguntava para a minha mãe por que eu tinha pênis. Aos 14 anos, me assumi gay e desde então comecei a me travestir.
Me hormonizei.
Elas me aceitam, mas não da forma que eu quero.
Minha mãe ainda tem esperança de que eu volte (a ser um homem cisgênero). Mas isso nunca vai acontecer.
" Agora na Casa 1, ela diz que quer "colocar a cabeça no lugar" e procurar emprego na área de maquiagem, cabelo ou roupa.
Com uma calçada completamente colorida e postes tomados por lambe-lambe, o espaço fica entre um salão de beleza e a loja de roupas da Neide Santos, de 51 anos.
Para ela, vizinha de parede da Casa 1, o projeto "deu uma animada" na região.
"Antes era um horror.
Funcionava um boteco e tinha uma invasão. Agora, pelo menos é um projeto para ajudar pessoas", diz.
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